quarta-feira, 11 de abril de 2012

Ginga completo pode tornar TVs até R$ 300 mais caras

Para usar o Ginga, sistema que permite usar a TV para ver notícias, consultar redes sociais e outras atividades, o brasileiro poderá pagar até R$ 300 a mais pelos televisores depois de janeiro de 2013, quando o governo obrigará os fabricantes a incluírem o recurso em 75% das TVs fabricadas no Brasil. Para adotar o sistema nas TVs, os fabricantes fazem investimentos que devem gerar um acréscimo no preço do produto, pelo menos nos primeiros meses. O aumento no preço deve variar dependendo da estratégia que cada empresa adote para incluir o Ginga nas TVs.
Por meio do Ginga, o telespectador pode acessar a sinopse dos programas, fotos de atores, enquetes e outros conteúdos, mesmo que não tenha conexão de internet. Contudo, cinco anos após sua criação, muita gente sequer ouviu falar do Ginga. “É mais fácil o consumidor pagar mais para ter um smartphone ou tablet que suporte aplicativos do que gastar mais numa TV com o Ginga, porque não se trata de um recurso conhecido”, diz Valdecir Becker, doutor em TV digital pela Universidade de São Paulo (USP).

O Ginga nasceu nos laboratórios de informática da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) e da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) com investimentos do governo. Qualquer fabricante pode incluir o softwares em suas TVs sem custo. Apesar disso, equipar uma TV com o Ginga não sai barato para os fabricantes. A Sony e a Samsung, por exemplo, investiram do próprio bolso para desenvolver o Ginga e, como o sistema é usado em poucos países, custa caro ajustar os produtos a uma exigência local. “É preciso mudar o hardware e o software da TV”, diz Luciano Bottura, gerente da linha de TVs Bravia na Sony.

Outras empresas, como Semp Toshiba, Panasonic e Philips, usam o Astro TV, um sistema Ginga desenvolvido pela Totvs. Com isso, as empresas “pularam” o desenvolvimento de uma versão própria do sistema para as TVs lançadas no Brasil. Neste caso, os fabricantes pagam uma taxa à Totvs a cada TV que sai de fábrica com o Astro TV - resultado de um investimento de cerca de R$ 25 milhões nos últimos quatro anos. “O Astro TV encontra todos os conteúdos interativos transmitidos pelas emissoras e oferece uma loja de aplicativos”, diz David Brito, diretor de tecnologia da Totvs.

Duas versões de um mesmo Ginga

Independentemente da estratégia adotada, o Ginga incluído nas TVs deve respeitar as recomendações do Fórum Brasileiro de TV Digital (SBTVD), grupo que inclui representantes das universidades e da indústria. Ele exige que duas versões do Ginga, que suportam as linguagens NCL e Java, sejam embarcadas nas TVs. A primeira versão, chamada de Ginga-NCL, foi criada no Brasil pela PUC-Rio. “O NCL é uma linguagem declarativa, que facilita muito o desenvolvimento de aplicativos”, diz Luiz Fernando Gomes Soares, pesquisador do departamento de informática da PUC-Rio e considerado o “pai” do Ginga.

Para André Barbosa, superintendente de suporte da Empresa Brasil de Comunicação (EBC) responsável pelo projeto de interatividade na TV Brasil, a linguagem NCL permite que o Ginga cumpra seu papel na inclusão digital. “É muito mais fácil desenvolver aplicativos em NCL do que em Java”, diz Barbosa.

Segundo os desenvolvedores, a linguagem NCL é mais simples, porque é baseada no padrão XML, adotado também no HTML5. Com isso, segundo Barbosa, qualquer pessoa com conhecimentos mínimos sobre programação poderia criar seus próprios aplicativos. “O Ginga-NCL foi a grande inovação do Brasil”, diz Barbosa.

Java encarece Ginga

A segunda versão, conhecida como Ginga-J, foi originalmente criada pela UFPB para permitir a compatibilidade do Ginga com o padrão adotado na Europa, mas acabou modificada para suportar Java, uma das linguagens mais usadas pelos desenvolvedores em todo o mundo. “O governo solicitou que a especificação fosse reescrita em código-aberto. O trabalho foi feito e, em 2009, já estava disponível”, diz Paulo Riskalla, líder da área de Java da Oracle para a América Latina. Isso permite que os desenvolvedores criem aplicativos baseados em Java para Ginga, sem pagar direitos de uso da linguagem para a Oracle.

Os fabricantes, no entanto, não tiveram a mesma sorte. Apesar de liberar o uso do Java para os desenvolvedores, a Oracle passou a cobrar dos fabricantes os direitos de uso da máquina virtual Java, programa necessário para permitir que o Ginga reproduza os aplicativos na TV. Segundo a Oracle, cada fabricante de TVs têm um acordo comercial diferente para uso da máquina virtual nas TVs - os valores envolvidos não foram revelados. “Os royalties pagos à Oracle são caros e emperram a adoção do Ginga no Brasil”, diz Soares, da PUC-Rio.

Apesar de encarecer as TVs, a adoção do Ginga-J favorece algumas das empresas envolvidas na criação de aplicativos interativos. A Rede Globo é uma das emissoras que mais promovem o uso de Java, principalmente pelos recursos gráficos que podem ser usados para sobrepor o aplicativo à programação, como transparências. Bancos e sites de comércio eletrônico também fazem parte do grupo de empresas que concordam com a adoção do Ginga-J nas TVs, apesar do ônus para os fabricantes.

Bancos dependem do Java

No Banco do Brasil, que criou o primeiro aplicativo bancário para o Ginga, a maior parte da equipe de desenvolvimento é especializada em Java. A linguagem, segundo José Lairton Rocha Junior, gerente de gestão de canais do Banco do Brasil, é importante para assegurar transações bancárias, que geralmente precisam instalar um certificado digital na máquina.

“Atualmente nosso aplicativo permite consultar o saldo ou extrato da conta. Precisamos da certificação digital com Java para autenticar outras transações, como pagamentos e transferências”, diz Junior.

No futuro, o aplicativo do Banco do Brasil para Ginga oferecerá todas as opções atualmente disponíveis por meio do site, mas exigirá que os espectadores conectem a TV a uma conexão de internet. “Estamos estudando outras alternativas de canal de retorno, mais baratas, para levar este serviço para pessoas das classes C e D que não têm banda larga disponível”, diz Junior.

A volta do comitê

Os fabricantes já colocam o Ginga-NCL e o Ginga-J nas TVs, seguindo a recomendação do Fórum SBTVD. Apesar disso, até hoje o governo não publicou nenhuma diretriz oficial que obrigue os fabricantes a adotar as duas versões do Ginga nos produtos. “O governo ainda não chegou a conclusão nenhuma sobre este assunto, mas é ele quem deve referendar as decisões do Fórum”, diz Barbosa, da EBC.

Desde o início das discussões sobre o padrão de TV digital nipo-brasileiro, o governo mantém um comitê interministerial para analisar e aprovar todas as regras e padrões técnicos para a TV digital no Brasil. Contudo, as reuniões do comitê interministerial deixaram de acontecer no final de 2008, quando a presidenta Dilma Rouseff ainda era ministra da Casa Civil.

Hoje, quatro anos depois, o governo planeja retomar o comitê interministerial que define as regras para os televisores, adaptadores e celulares que recebem o sinal de TV digital no Brasil. Uma reunião, programada para os próximos meses, terá representantes do Ministério das Comunicações, Ciência e Tecnologia e Desenvolvimento, Indústria e Comércio. Um dos assuntos na pauta, segundo fontes, é a possibilidade de adoção parcial do Ginga - somente com suporte a NCL – em televisores e set-top boxes (adaptadores usados para rodar o Ginga em qualquer aparelho de TV). No caso dos celulares, o Fórum SBTVD recomenda apenas o uso do Ginga-NCL.
Em entrevista ao iG, Cezar Alvarez, secretário-executivo do Ministério das Comunicações, afirmou que a discussão sobre a obrigatoriedade do Ginga-J em TVs e set-top boxes no governo ainda não terminou.

“A questão do pagamento dos royalties da máquina virtual do Java ainda está em discussão entre o Fórum SBTVD e a Oracle”, disse Alvarez, o que sinaliza que o governo ainda espera uma possível isenção ou redução do pagamento à Oracle pelos direitos de uso da máquina virtual Java.

Em países vizinhos ao Brasil, em que o sistema nipo-brasileiro de TV digital, também foi adotado, o Ginga é a principal opção para permitir a interatividade na TV digital. Contudo, os países ainda têm dúvidas se vale a pena adotar o Ginga completo, com Java e NCL.

Na Argentina, por exemplo, o governo decidiu adotar apenas o Ginga-NCL como padrão. Com isso, apesar de as TVs e conversores fabricados no Brasil serem compatíveis, aplicativos desenvolvidos para o Ginga-J não serão reproduzidos nas TVs com o Ginga argentino. “Nós podemos ficar isolados com o Java, porque o conteúdo brasileiro pode não ser lido em outros países”, diz Barbosa, da EBC.

Para Soares, o criador do Ginga, a definição sobre a opção de instalar somente o Ginga-NCL nos aparelhos deve sair em breve. “Do ponto de vista técnico, o NCL tem os mesmos recursos que o Java”, diz o pesquisador. “É sempre bom ter opções, mas quando isso significa pagar mais é preciso avaliar se vale mesmo a pena.”

Fonte: IG

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